Introdução

O debate sobre o uso da maconha medicinal tem ganhado espaço especialmente em virtude do seu potencial terapêutico para pacientes com câncer. Em meio à busca por tratamentos mais eficazes, novas evidências científicas começam a iluminar possibilidades promissoras para o manejo dessa doença. Inspirado por uma notícia veiculada pelo Gizmodo UOL, este artigo explora, de forma abrangente, as informações e os estudos recentes que analisam os efeitos da cannabis medicinal no tratamento oncológico.

O Panorama Geral: Uma Meta-Análise Abrangente

A principal referência dessa discussão é uma robusta meta-análise publicada na prestigiada revista Frontiers in Oncology, intitulada “Meta-analysis of medical cannabis outcomes and associations with cancer” (Castle et al., 2025).
Esse estudo, que sintetizou dados provenientes de mais de 10.000 artigos de pesquisa revisados por pares e quase 40.000 pontos de dados, teve como objetivo determinar o consenso científico sobre a viabilidade da utilização da cannabis medicinal no tratamento do câncer.
Os achados indicam que entre 70% a 90% dos estudos que investigaram o uso da cannabis para o alívio dos sintomas do câncer relataram melhorias significativas – como o alívio da dor crônica, redução das náuseas e vômitos induzidos pela quimioterapia, e a melhora do apetite e da qualidade de vida dos pacientes. Além disso, menos de 5% dos estudos apontaram efeitos adversos significativos, sugerindo um perfil de segurança considerável quando o composto é utilizado sob orientação médica.
A meta-análise também ressaltou o potencial da cannabis como agente anticancerígeno, demonstrando, em estudos pré-clínicos, que certos canabinoides podem induzir a apoptose (morte celular programada) em células tumorais e inibir o crescimento de tumores, além de exercer efeitos anti-inflamatórios benéficos no complexo cenário oncológico.

Prevenindo os Efeitos Colaterais da Quimioterapia: Foco na Dor Neuropática

Outro aspecto relevante abordado nas evidências recentes é o potencial dos análogos sintéticos do canabidiol para prevenir os efeitos colaterais da quimioterapia.
Um estudo publicado na revista Neurotherapeutics, conduzido por Nicole Rodrigues Silva e colaboradores (Silva et al., 2022), investigou o efeito de um análogo sintético fluorado do CBD, conhecido como PECS-101, em modelos animais submetidos ao tratamento com paclitaxel (PTX).
Os resultados demonstraram que a administração concomitante de PECS-101 previne o desenvolvimento da dor neuropática induzida pela quimioterapia, especialmente a alodinia mecânica e ao frio. O mecanismo identificado aponta para a ativação de receptores PPARγ em macrófagos, em vez dos receptores canabinoides CB1 ou CB2, resultando na redução dos marcadores inflamatórios e na preservação das fibras nervosas. Importante ressaltar que, segundo o estudo, o PECS-101 não compromete a eficácia do paclitaxel como agente anticancerígeno nem apresenta potencial de abuso ou efeitos motores adversos nos modelos testados.

O Cenário Brasileiro: Crescimento e Acesso

A realidade brasileira também tem sido impactada pelo avanço do uso terapêutico da cannabis. Dados do Anuário da Cannabis Medicinal 2023, compilados pela Kaya Mind e citados pelo Gizmodo UOL, revelam um crescimento expressivo de 130% no uso de produtos à base de cannabis, chegando a 430 mil pacientes em 2023.
Esses números refletem não só uma demanda crescente, mas também uma maior conscientização sobre os potenciais benefícios da maconha medicinal. Os diferentes canais de acesso – desde a importação direta, passando pelo atendimento por associações de pacientes, até a aquisição em farmácias – evidenciam a complexidade e a evolução do cenário de acesso à terapia com cannabis no país.

Conclusão e Perspectivas Futuras: Entre a Esperança e a Cautela Científica

Os estudos recentes, em especial a meta-análise publicada na Frontiers in Oncology e a pesquisa sobre o PECS-101 na Neurotherapeutics, reforçam o potencial da maconha medicinal tanto no alívio dos sintomas do câncer quanto na sua ação anticancerígena.
Embora os dados sejam encorajadores, grande parte das evidências ainda se baseia em estudos pré-clínicos e análises com variabilidade metodológica – desde diferentes tipos de cannabis e dosagens até vias de administração diversas. Dessa forma, é imperativo que novos ensaios clínicos randomizados, duplo-cegos e controlados por placebo sejam realizados para confirmar os efeitos terapêuticos e definir regimes de tratamento seguros e eficazes.
Enquanto a comunidade médica e científica olha para essa nova fronteira com otimismo, também se enfatiza a necessidade de cautela e rigor metodológico. A consolidação da maconha medicinal na prática oncológica dependerá de uma regulamentação clara que garanta tanto o acesso seguro quanto o avanço das pesquisas nacionais e internacionais.

Referências

•  Castle, R. D., Marzolf, J., Morris, M., & Bushell, W. C. (2025). Meta-analysis of medical cannabis outcomes and associations with cancer. Frontiers in Oncology, 15. Disponível em: https://www.frontiersin.org/journals/oncology/articles/10.3389/fonc.2025.1490621/full
•  Gizmodo UOL. (2025, 04 de Maio). Mega estudo reavalia: maconha medicinal pode ajudar pacientes com câncer. Recuperado de: https://gizmodo.uol.com.br/mega-estudo-reavalia-maconha-medicinal-pode-ajudar-pacientes-com-cancer/
•  Silva, N. R., Gomes, F. I. F., Lopes, A. H. P., Cortez, I. L., dos Santos, J. C., Silva, C. E. A., Mechoulam, R., Gomes, F. V., Cunha, T. M., & Guimarães, F. S. (2022). The Cannabidiol Analog PECS-101 Prevents Chemotherapy-Induced Neuropathic Pain via PPARγ Receptors. Neurotherapeutics, 19(1), 434–449. Disponível em: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC9130439/
•  Anuário da Cannabis Medicinal 2023. (Dados compilados pela Kaya Mind conforme citado pelo Gizmodo UOL).

Fonte: https://gizmodo.uol.com.br/mega-estudo-reavalia-maconha-medicinal-pode-ajudar-pacientes-com-cancer/