Além da Cannabis: Explorando Outras Fontes Vegetais de Canabidiol e Compostos Canabimiméticos

O canabidiol (CBD), um dos principais fitocanabinoides da Cannabis sativa L., destaca-se por suas propriedades terapêuticas – efeitos ansiolíticos, anticonvulsivantes, anti-inflamatórios e neuroprotetores – sem os efeitos psicoativos do Tetrahidrocanabinol (THC). Tradicionalmente associado à Cannabis, o CBD agora também é objeto de investigação em outras fontes vegetais e de compostos canabimiméticos, ou seja, moléculas que interagem com o sistema endocanabinoide (SEC) de forma similar ao CBD. Este artigo explora as evidências científicas e etnobotânicas atuais, abrindo uma fascinante fronteira na fitoquímica e farmacologia.
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A Descoberta Promissora na Flora Brasileira: Trema micrantha Blume
Recentemente, o cenário científico brasileiro foi agitado pela identificação de CBD em uma planta nativa de ampla distribuição, a Trema micrantha Blume – conhecida popularmente como pau-pólvora, candiúva ou trema.
Pesquisas conduzidas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), lideradas pelo pesquisador Rodrigo Moura Neto, detectaram a presença de CBD nos frutos e flores desta espécie (conforme divulgado por Tribuna de Minas, Olhar Digital e Gizmodo, entre 2023 e 2025).
A relevância desta descoberta reside no fato de que as análises preliminares apontam que a Trema micrantha produz CBD sem a presença concomitante de THC, o que pode contornar barreiras legais e regulatórias associadas à Cannabis, além de eliminar preocupações com efeitos psicoativos. Essa fonte alternativa e abundante pode facilitar o desenvolvimento de produtos terapêuticos à base de CBD, ampliando as possibilidades de uso seguro e regulado do composto.
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Arruda da Síria e Lúpulo
Diversas fontes vegetais têm sido investigadas quanto à capacidade de produzir CBD ou compostos com atividades similares:
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Arruda da Síria (Peganum harmala L.):**
Tradicionalmente utilizada em contextos medicinais e ritualísticos, a arruda da Síria é conhecida pela presença de alcaloides beta-carbolínicos, como harmina e harmalina. Esses compostos, potentes inibidores da monoamina oxidase (IMAOs), possuem perfis farmacológicos próprios, mas até o momento não há evidências confiáveis que comprovem a presença de CBD nesta espécie (Kartal et al., 2021). -
Lúpulo (Humulus lupulus L.):**
Botanicamente relacionado à Cannabis, o lúpulo compartilha diversos terpenos – como mirceno e beta-cariofileno – que interagem com o receptor CB2. Embora tenham surgido alegações comerciais acerca da extração de CBD do lúpulo, a comunidade científica questiona essa hipótese, indicando que, se o CBD estiver presente, ocorre em quantidades insignificantes. Os efeitos sedativos e ansiolíticos do lúpulo são atribuídos a outros compostos, como alfa-ácidos (humulona, lupulona) e flavonoides, e ao conjunto de terpenos que podem modular o SEC de forma indireta.
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O Conceito Ampliado: Fitocanabinoides e Compostos Canabimiméticos em Outras Espécies
A busca por compostos que interagem com o sistema endocanabinoide vai além da detecção do CBD. Uma revisão seminal de Gertsch, Pertwee e Di Marzo (2010) ampliou a definição de "fitocanabinoides" para incluir qualquer substância natural derivada de plantas que interaja diretamente ou module indiretamente o SEC.
Dentro dessa perspectiva, diversas plantas têm despertado interesse:
- Equinácea (Echinacea spp.):** Produz alcamidas que interagem com o receptor CB2 e inibem a recaptação da anandamida, proporcionando efeitos anti-inflamatórios (Gertsch et al., 2006).
- Cacau (Theobroma cacao L.):** Contém N-aciletanolaminas, como a N-oleoiletanolamida e a N-linoleoiletanolamida, que agem inibindo a FAAH e promovendo um efeito canabimimético indireto (Di Marzo et al., 1998).
- Pimenta Preta (Piper nigrum L.):** É rica em beta-cariofileno, um terpeno que atua como agonista seletivo do receptor CB2, tendo efeitos anti-inflamatórios e analgésicos (Gertsch et al., 2008).
- Kava-Kava (Piper methysticum G. Forst.):** Contém kavalactonas, dentre as quais a yangonina apresenta afinidade pelo receptor CB1, contribuindo para os efeitos ansiolíticos da planta (Ligresti et al., 2012).
Outras plantas, como a linhaça (Linum usitatissimum) e compostos como o falcarinol presentes em membros da família Apiaceae (cenoura, salsa), também têm sido mencionadas, embora suas interações com o SEC exijam análises mais aprofundadas.
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Análise Crítica e Perspectivas Futuras
A exploração de fontes vegetais alternativas para a obtenção de CBD e de compostos canabimiméticos representa uma fronteira dinâmica e promissora na fitoquímica e na farmacologia.
A descoberta do CBD na Trema micrantha demonstra o potencial de ampliar o arsenal terapêutico para além da Cannabis, especialmente em contextos onde o cultivo desta enfrenta restrições legais. No entanto, é fundamental que esse campo seja abordado com rigor científico:
- Validação e Quantificação: Estudos adicionais são necessários para determinar as concentrações exatas de CBD e desenvolver métodos de extração eficientes.
- Perfil Fitoquímico Completo: É essencial realizar uma caracterização detalhada da composição química, identificando não apenas o CBD, mas também outros compostos que possam modular o SEC.
- Ensaios Clínicos e Segurança: A eficácia e segurança dos extratos e derivados de novas fontes devem ser validadas por meio de estudos clínicos rigorosos.
A diversidade do SEC e a sinergia entre diferentes moléculas vegetais (o efeito entourage) oferecem amplas oportunidades para o desenvolvimento de terapias inovadoras. A pesquisa interdisciplinar continuará a desvendar como esses compostos podem, juntos, ampliar as possibilidades terapêuticas na medicina moderna.
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Referências
(As referências devem ser complementadas conforme necessário com base na literatura científica e nas fontes jornalísticas citadas no artigo.)
Exemplos:
• Di Marzo, V. et al. (1998). Anandamide and other N-acylethanolamines in cacao products. Nature, 396(6712), 636-637.
• Gertsch, J. et al. (2006). Cannabimimetic N-alkylamides from Echinacea are chosen by FAAH inhibitors to interact with CB2 receptor. Pharmacological Research, 53(2), 147-156.
• Gertsch, J., Pertwee, R. G., & Di Marzo, V. (2010). Phytocannabinoids beyond the Cannabis plant – do they exist? British Journal of Pharmacology, 160(3), 523-529.
• Gertsch, J. et al. (2008). Beta-caryophyllene is a dietary cannabinoid. Proceedings of the National Academy of Sciences, 105(26), 9099-9104.
• Kartal, M. et al. (2021). Peganum harmala L.: A Comprehensive Review on its Traditional Uses, Phytochemistry, Pharmacology, and Toxicology. Journal of Ethnopharmacology, 270, 113737.
• Ligresti, A. et al. (2012). Kavalactones and the endocannabinoid system: the plant-derived yangonin is a novel CB1 receptor ligand. Pharmacological Research, 66(2), 163-169.
• Pollastro, F. et al. (2022). Cannabidiol (CBD) From Non-Cannabis Plants: Myth or Reality? Journal of Natural Products, 85(5), 1353-1356.