A Cobertura dos Planos de Saúde ao Tratamento com Canabidiol

O uso medicinal do canabidiol (CBD) tem ganhado cada vez mais reconhecimento no Brasil como uma alternativa terapêutica eficaz para diversas condições de saúde. Com a regulamentação progressiva pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), muitos pacientes buscam acesso a tratamentos à base de canabidiol através de seus planos de saúde. No entanto, a cobertura desses tratamentos pelos planos de saúde ainda é um tema controverso, marcado por negativas administrativas, batalhas judiciais e interpretações divergentes da legislação vigente.
Este artigo analisa o panorama atual da cobertura dos planos de saúde para tratamentos com canabidiol no Brasil, abordando a regulamentação existente, as decisões judiciais mais relevantes, os tipos de tratamentos e condições de saúde contemplados e os principais desafios enfrentados pelos pacientes e suas famílias, objetivando fornecer informações claras para aqueles que buscam assegurar seu direito ao acesso a esses tratamentos.
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Regulamentação Atual e Base Legal
A principal legislação que rege os planos de saúde no Brasil é a Lei 9.656/1998, que determina as coberturas mínimas obrigatórias a serem oferecidas pelas operadoras. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) define, por meio de seu rol de procedimentos e medicamentos, os itens de cobertura obrigatória, o qual é periodicamente atualizado.
No que se refere ao canabidiol, a ANVISA tem avançado significativamente em sua regulamentação. Desde 2015, a agência permite a importação de medicamentos à base de canabidiol mediante prescrição médica detalhada. Em 2019, foram aprovadas normativas para a fabricação e venda de produtos à base de cannabis para fins medicinais no Brasil, resultando no registro de medicamentos como o Mevatyl e na comercialização de mais de 20 produtos derivados da cannabis em farmácias.
Um ponto crucial é que o canabidiol não está incluído no rol de procedimentos obrigatórios da ANS, sendo frequentemente essa ausência utilizada pelas operadoras para justificar negativas de cobertura. Entretanto, a jurisprudência tem evoluído no sentido de considerar o rol da ANS como exemplificativo e não taxativo, especialmente em casos onde não há alternativas terapêuticas eficazes.
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Jurisprudência e Decisões Judiciais Relevantes
A cobertura de medicamentos à base de canabidiol pelos planos de saúde tem sido objeto de decisões judiciais divergentes, embora haja uma tendência crescente de reconhecimento dos direitos dos pacientes:
- Decisão do STJ: Determinou que planos de saúde devem custear medicamentos à base de canabidiol com importação autorizada pela ANVISA, reconhecendo que tal autorização é suficiente, mesmo que o medicamento não esteja formalmente registrado no país.
- Caso Unimed de Sorocaba (TJSP): O Tribunal de Justiça de São Paulo ordenou que a operadora fornecesse o medicamento CBD King Green para um paciente com paralisia cerebral e síndrome convulsiva, baseando-se no Enunciado 42 da 3ª Câmara de Direito Privado do TJSP, que veda a negativa de cobertura de medicamentos não registrados, desde que tenham autorização de importação.
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Decisão em Caso de TEA e Epilepsia (OAB/RS): Em abril de 2025, um magistrado determinou que um plano de saúde custeasse o medicamento Canabidiol Prati Donaduzzi 50mg/ml para um adolescente com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e epilepsia, fundamentando-se na Resolução Normativa nº 539/2022 da ANS, que ampliou a cobertura para técnicas indicadas pelo médico para o tratamento de transtornos do espectro autista.
Por outro lado, em março de 2024, o STJ eximiu um plano de saúde da obrigatoriedade de custeio do canabidiol para uso domiciliar, argumentando que, salvo as exceções previstas em lei ou contrato, a operadora não é compelida a cobrir medicamentos não incluídos no rol da ANS.
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Condições de Saúde e Tratamentos Cobertos
Os tratamentos com canabidiol demonstram eficácia para diversas condições médicas, e decisões judiciais favoráveis têm contemplado tratamentos para:
- Epilepsia refratária: Especialmente em síndromes epilépticas raras e graves, como a Síndrome de Dravet e a de Lennox-Gastaut.
- Transtorno do Espectro Autista (TEA): Beneficiando pacientes ao reduzir sintomas como irritabilidade, hiperatividade e distúrbios do sono.
- Doenças neurológicas: Incluindo Parkinson, Alzheimer e esclerose múltipla, auxiliando no controle de tremores e rigidez muscular.
- Dor crônica: Em condições como fibromialgia, artrite reumatoide e dores neuropáticas, muitas vezes reduzindo a dependência de opioides.
- Transtornos psiquiátricos: Como ansiedade, insônia e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).
- Condições inflamatórias: Como doença de Crohn e colite ulcerativa.
- Efeitos colaterais da quimioterapia: Incluindo náuseas, vômitos e perda de apetite em pacientes oncológicos.
A cobertura é mais frequentemente concedida quando há evidência robusta da eficácia do canabidiol para a condição específica e quando os tratamentos convencionais se mostram ineficazes ou apresentam efeitos adversos significativos.
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Desafios e Barreiras Enfrentados pelos Pacientes
Apesar dos avanços, os pacientes que buscam tratamentos com canabidiol através de seus planos de saúde enfrentam diversos obstáculos:
1. Recusa Administrativa Inicial
- Ausência do medicamento no rol da ANS
- Falta de registro do produto na ANVISA (no caso de importados)
- Classificação do tratamento como experimental ou sem comprovação científica
- Exclusão contratual específica
2. Necessidade de Ação Judicial
- Custos com advogados e processos judiciais
- Tempo prolongado para decisão, muitas vezes crítico para casos graves
- Desgaste emocional para pacientes e familiares
- Incerteza quanto ao resultado devido a decisões divergentes
3. Custos Elevados do Tratamento
- Medicamentos importados possuem preços elevados, impactando o orçamento familiar, como exemplificado pelo custo do Canabidiol Prati Donaduzzi 50mg/ml.
4. Exigência de Documentação Detalhada
- Laudos e relatórios médicos completos
- Prescrição médica com justificativa especializada
- Evidências da ineficácia dos tratamentos convencionais
- Estudos científicos que respaldem o uso do canabidiol
5. Preconceito e Desinformação
- Resistência por parte de alguns profissionais de saúde
- Julgamento social e estigma associados à cannabis, mesmo para uso medicinal
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Recomendações Práticas para Pacientes
Para aumentar as chances de obter a cobertura dos planos de saúde, recomenda-se:
1. Documentação Médica Robusta
- Elaborar um relatório detalhado explicando a condição, histórico de tratamentos e a necessidade do canabidiol
- Especificar dosagem, frequência e duração prevista do tratamento
- Incluir pareceres de mais de um especialista, quando possível
2. Solicitação Formal ao Plano de Saúde
- Realizar a solicitação por escrito, anexando todos os documentos médicos
- Manter registros de todas as comunicações e negativas fornecidas pelo plano
- Solicitar justificativas detalhadas para quaisquer recusas
3. Recurso Administrativo
- Esgotar as vias administrativas antes de recorrer à justiça
- Apresentar um recurso formal com estudos científicos e decisões judiciais similares
- Basear o recurso em precedentes do STJ e de outros tribunais
4. Ação Judicial Bem Fundamentada
- Consultar um advogado especializado em direito à saúde ou direito canábico
- Buscar liminar para acesso imediato ao tratamento
- Apresentar toda a documentação e evidências científicas disponíveis
5. Consideração de Alternativas
- Verificar acesso pelo SUS ou programas de assistência
- Participar de estudos clínicos que ofereçam o medicamento
- Considerar opções de importação direta, quando permitido pela ANVISA
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Perspectivas Futuras
Alguns fatores podem favorecer a ampliação da cobertura de tratamentos com canabidiol pelos planos de saúde:
- Ampliação do Registro de Medicamentos: O aumento de produtos registrados na ANVISA pode reduzir as negativas dos planos de saúde.
- Consolidação da Jurisprudência: Decisões judiciais favoráveis, especialmente de tribunais superiores, podem criar precedentes sólidos.
- Atualização do Rol da ANS: A inclusão de tratamentos com canabidiol no rol de procedimentos obrigatórios é uma possibilidade futura.
- Maior Conscientização Médica: O familiarização dos profissionais com o canabidiol pode aumentar o respaldo para seu uso.
- Redução de Custos: O desenvolvimento da indústria nacional pode diminuir os custos e tornar os tratamentos mais acessíveis.
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Conclusão
A cobertura dos planos de saúde para tratamentos com canabidiol representa um campo em desenvolvimento no direito à saúde no Brasil. Apesar dos desafios significativos, as decisões judiciais recentes têm estabelecido precedentes importantes que favorecem o acesso dos pacientes a esses tratamentos, principalmente quando há prescrição médica fundamentada e ausência de alternativas terapêuticas eficazes.
É fundamental que os pacientes conheçam seus direitos, reúnam a documentação adequada e, se necessário, busquem assistência jurídica especializada. Com o avanço da ciência e a evolução da regulamentação, espera-se que o acesso a esses tratamentos se torne mais direto e menos dependente de batalhas judiciais, beneficiando milhares de pacientes na melhoria de sua qualidade de vida.
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Referências
- Lei 9.656/1998 – Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde.
- Resolução Normativa nº 539/2022 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
- Decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre medicamentos à base de canabidiol com importação autorizada pela ANVISA (2021).
- Enunciado 42 da 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo.
- Caso Unimed de Sorocaba – Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), 2024.
- Decisão da 12ª Vara do Trabalho de João Pessoa (PB) sobre fornecimento de Canabidiol Prati Donaduzzi para adolescente com TEA e epilepsia (2025).
- Migalhas. "CBD - Canabidiol medicinal: Saiba seus direitos e como ter acesso". Abril, 2025.
- OAB/RS. "Plano de saúde deve pagar por medicamento com canabidiol para tratamento de adolescente com autismo". Abril, 2025.
- Pons & Tosta Advocacia. "Jurisprudência da Cobertura de Canabidiol pelos Planos de Saúde". Outubro, 2024.
- Cleto & Moblize Sociedade de Advogados. "Decisão Judicial: Plano de Saúde Deve Cobrir Medicamento à Base de Canabidiol (CBD)". Novembro, 2024.
- Elton Fernandes Advocacia. "Canabidiol pelo plano de saúde: saiba como conseguir". 2025.